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Blogtailors - o blogue da edição

Entrevistas Booktailors: José Jorge Letria

02.02.12

 

No tempo que lhe levar a ler esta entrevista, é muito provável que José Jorge Letria escreva um novo livro. Prolixo como poucos, o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores mostra-se preocupado com o advento da pirataria de e-books, se bem que a velhinha fotocópia lhe continue a merecer as maiores preocupações. Garante que a SPA, tal como o universo, continua em expansão e que é a grande defensora dos criadores portugueses.

 

No contexto da edição em livro digital, da pirataria, da pouca clareza relativamente à tutela dos direitos de autores, que pode a SPA fazer para proteger os seus autores? Ou não existe motivo para estarem sequer preocupados?

Existem, naturalmente, motivos de preocupação, já que as novas tecnologias podem ser, desde que reguladas e regulamentadas, o maior aliado dos autores, mas também o seu maior inimigo se evoluírem de uma forma selvagem e descontrolada, como acontece atualmente com os mercados. Por isso estamos particularmente atentos ao que se passa e sempre recetivos em relação ao que os autores têm para nos dizer sobre a sua atividade, receios e expectativas. Aos autores, dizemos ainda que, fora da SPA, estão seriamente desprotegidos. Por outro lado, temos hoje um grau elevado de diálogo com os editores e com a estrutura que os representa — a APEL —, o que não acontecia ainda há alguns anos. Há indícios de que a pirataria vai expandir-se no domínio digital, mas, neste momento, o mais grave é a proliferação da fotocópia, que prejudica gravemente os autores e os editores, deixando-nos, nesta matéria, na cauda da Europa da União.

 

O José Jorge Letria é um dos autores mais prolixos da literatura portuguesa. Como conjuga a atividade da escrita com os vários cargos que tem vindo a ocupar?

Tento conjugá-las com disciplina, obstinação e algum espírito de sacrifício. Umas atividades completam e enriquecem as outras. Como fui jornalista profissional durante quase 25 anos, sobretudo em jornais diários, ganhei o hábito de escrever depressa e de gostar de trabalhar sob pressão. Além disso, é importante que diga que não imagino a minha vida sem o ato de escrever regular e empenhadamente.

 

Há algum ilustrador com quem ainda não tenha trabalhado e com quem gostasse muito de trabalhar num futuro livro?

Creio que tenho trabalhado com os maiores ilustradores portugueses desde que comecei a publicar para crianças em 1979 (para o outro público comecei com um livro de poemas, Mágoas Territoriais, Assírio & Alvim, em 1973). Há alguns ilustradores de muita qualidade com os quais ainda não trabalhei, mas lá chegaremos. Estão sempre a aparecer novos e excelentes criadores nesta área. Mas estou muito satisfeito com o elenco daqueles com os quais tenho trabalhado, destacando, pelo volume de colaborações, o André Letria e o Afonso Cruz. Também me bati bastante pelo reconhecimento dos ilustradores como autores de pleno direito, quando isso estava longe de ser regra em Portugal.

 

Se pudesse fazer uma pergunta ao atual ministro da Economia, qual seria?

Talvez lhe fizesse esta, mesmo sem lhe chamar Álvaro: como se pode falar no papel das exportações para a recuperação da nossa economia agonizante se não se criarem condições para a internacionalização dos nossos bens culturais (a começar pela música), que são, sem dúvida, dos mais exportáveis e prestigiantes junto de outros públicos e mercados?

 

Na atual conjuntura, como fazemos para que a língua portuguesa valha mais do que a PT, como apontou o ex-ministro da Cultura Pinto Ribeiro?

Em primeiro lugar é preciso acreditar que esse é um património de cultura e civilização que nos garante, no mundo, um lugar respeitado e competitivo. Depois é preciso que haja uma política da língua, coisa que nunca chegou a ser minimamente delineada. Além disso, é preciso garantir a sustentabilidade dessa política não fechando leitorados e dando ao Instituto Camões uma dinâmica correta, competente e com verdadeiro sentido estratégico, apesar dos constrangimentos impostos pela crise. Ora, isso está praticamente tudo por fazer, como sempre esteve.

 

Acha que o novo Acordo Ortográfico é fundamental para a sobrevivência e expansão da língua portuguesa?

Embora pessoal e tecnicamente eu não tenha aderido às regras do Acordo Ortográfico, por razões culturais e geracionais considero que a dinâmica criada impõe a aceitação da norma, sobretudo se quisermos contar com o mercado do Brasil e com o emergente da África lusófona. O Acordo não foi discutido como deveria ter sido no momento certo, de forma transparente e participada, o que foi lamentável, e nisso foi enorme a responsabilidade do governo português da altura, mas agora é uma inevitabilidade à qual nos iremos adaptando, mesmo quando é preciso chamar «espetadores» aos «espectadores». Mas há quem seja pago para adaptar os textos para a nova norma.

 

Dê-nos uma boa ideia para o setor editorial português.

Acho que está confuso, incerto e muito apreensivo, devido às nefastas consequências que a crise também provoca no setor. Ninguém sabe como vai evoluir a lógica da concentração da propriedade das editoras em grandes grupos, que espaço vai restar para as pequenas e médias editoras, como é que o mercado vai evoluir, apesar da manutenção positiva do IVA e como é que a pirataria digital poderá vir a afetar a atividade, que tem, naturalmente, uma forte componente de negócio. É preciso esperar para ver, com seriedade, lucidez e exigência. Certo é que aquilo que condiciona o mundo do livro em Portugal tem muito pouco que ver com o livro e com quem vive dele e para ele.

 

Como vê as críticas que apontam a SPA como uma mera cobradora de valores?

As sociedades de autores existem basicamente para cobrar direitos e para os distribuir corretamente, depois de retirarem a comissão que legitimamente lhes pertence. Mas a SPA é muito mais do que isso. Tem uma forte política assistencial para apoiar os seus associados (desde o seguro de saúde até ao subsídio estatutário a partir dos 60 anos), garante-lhes apoio jurídico regular, tem uma programação cultural coerente e abrangente e um fundo cultural que já apoiou nos últimos três anos mais de 80 projetos de diversas disciplinas de criação. De outro modo nunca se teriam concretizado. Como se vê, é muito mais do que uma mera estrutura de cobrança, embora todas as outras valências dependam de uma boa cobrança, de resto cada vez mais difícil num grave contexto de crise. De qualquer modo, é importante que os autores de todas as áreas percebam que só sendo associados da SPA terão os seus direitos verdadeiramente protegidos. Já assim era, mas agora esta evidência ganhou uma forma inquestionável. Por isso há cada vez mais autores a inscreverem-se na SPA, que é a única sociedade de autores existente em Portugal e é totalmente multidisciplinar. Só em Portugal temos cerca de 25 mil autores representados, mas muitos mais vão chegar, por perceberem que este é o seu espaço e a sua casa.

 

 

© Inácio Ludgero

 

José Jorge Letria é poeta, jornalista, dramaturgo e autor de uma vasta obra para crianças e adultos, nasceu em Cascais em 1951. Trabalhou, durante mais de duas décadas e meia, em alguns dos mais importantes jornais portugueses, sendo mestre em Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa. Foi vereador da Cultura da Câmara Municipal de Cascais entre 1994 e 2002. Com livros traduzidos em cerca de uma dezena de línguas, foi distinguido com dois Grandes Prémios da Associação Portuguesa de Escritores (teatro e conto), com o prémio Aula de Poesia de Barcelona, com o prémio Internacional Unesco, com o prémio Plural (México), com o prémio Eça de Queirós-Cidade de Lisboa, com um prémio Gulbenkian e com o prémio da Associação Paulista de Críticos de Arte, entre outros. Foi um dos criadores do programa Rua Sésamo, na versão portuguesa, e também autor de vários programas de rádio e televisão. Ao lado de nomes como José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, foi uma das vozes mais representativas da canção política em Portugal, tendo sido agraciado com a Ordem da Liberdade em 1997. O essencial da sua obra poética encontra-se condensado nos dois volumes da antologia O Fantasma da Obra.

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