Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Blogtailors - o blogue da edição

Entrevistas Booktailors: Cristina Carrington

09.02.12

 

O mercado editorial pedia formação específica para o setor. A Universidade de Aveiro respondeu a essa necessidade com uma licenciatura e um mestrado. Cristina Carrington, que foi vice-coordenadora do mestrado de Estudos Editoriais, explica como a relação entre o meio editorial e universitário pode ser proveitosa para ambos, como os salários na indústria da edição são baixos e como faz falta aprender mais línguas além do inglês.

 

 

Quais as razões que estiveram por detrás da criação do Curso de Estudos Editoriais da Universidade de Aveiro?

Diz bem «Curso de Estudos Editoriais», pois, no fundo, temos na Universidade de Aveiro não apenas um Mestrado em Estudos Editoriais mas também uma Licenciatura em Línguas e Estudos Editoriais. E é exatamente aí que a «história» começa.

 

Em 2003, a minha amiga e colega Teresa Cortez foi convidada, pelo então Presidente do Departamento António Miranda, a pensar uma Licenciatura que diversificasse a oferta de cursos que o Departamento de Línguas e Culturas propunha. Surgiu a ideia de criar uma licenciatura em Edição, uma vez que, se não estou em erro, havia na altura apenas um Curso de Pós-Graduação para Técnicos Editoriais, na Universidade de Lisboa. A nível internacional, a situação era bem diferente, pois os cursos em Edição eram uma realidade de há muito. Por outro lado, sabíamos que as editoras recrutavam os seus colaboradores sobretudo entre os licenciados em Humanidades, mas que se ressentiam da falta de colaboradores com formação específica.

 

Uma aturada busca em Universidades estrangeiras, francesas, inglesas, alemãs e espanholas, com o intuito de apurar os cursos que ofereciam e como se estruturavam curricularmente, levou ao delinear e depois à criação de, primeiramente, uma Licenciatura (em 2003) e depois de um Mestrado em Estudos Editoriais (em 2007, desta vez a convite do Presidente do Departamento João Torrão). Foram entretanto estabelecidos contactos pessoais com as Universidades de Munique, Oxford Brookes e Pompeu Fabra (Barcelona), e falámos com vários editores portugueses para troca de impressões e acerto nos planos de estudos. Uma condição essencial, e que desde o início orientou o projeto, foi a da ligação interdepartamental na Universidade, por forma a conseguir a lecionação de disciplinas que não se circunscrevessem à área das Humanidades. Juntaram-se assim ao Departamento de Línguas e Culturas o Departamento de Comunicação e Arte, o Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial e o Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território. O primeiro Curso de Licenciatura (que então se chamava Línguas e Administração Editorial) teve início em 2004-2005, e o Mestrado arrancou no ano letivo de 2007-2008. Estamos na 5.ª edição e temos uma frequência média de 20 alunos por ano.

 

Qual a taxa de empregabilidade dos alunos dos cursos de Edição da Universidade de Aveiro? Têm algum estudo nesse sentido?

Não contando com os alunos que finalizaram o Mestrado em 2011 (relativamente aos quais não temos ainda dados exatos), a taxa de empregabilidade no setor livreiro e editorial ronda os 65 %. Alguns dos que fizeram o Mestrado em Estudos Editoriais, sobretudo nos dois primeiros anos, eram estudantes-trabalhadores, já com emprego, quer na área da edição, em editoras ou em jornais, quer na área de biblioteconomia, em bibliotecas municipais, ou então na área da docência. Com exceções pontuais, esses ex-alunos mantiveram-se nos antigos lugares de trabalho. Com o passar dos anos fomos recebendo no Mestrado estudantes licenciados em áreas muito diversificadas (Línguas e Literaturas, História, Design, Novas Tecnologias da Comunicação, Marketing, Economia, Estudos Europeus, Relações Internacionais, etc.), tendo alguns sido contratados pelas editoras onde tinham feito o estágio curricular ou com as quais tinham entrado em contacto durante o Mestrado (Almedina, Presença, Âncora, Actual, Civilização, Educação Nacional, Asa-LeYa, Imprensa da Universidade de Coimbra, Imprensa da Universidade Fernando Pessoa). Outros, uma vez terminado o Mestrado, ficaram colocados noutras editoras (Papiro, Alêtheia, Educação Nacional) ou em empresas de comunicação, em Portugal e no estrangeiro (uma das nossas ex-mestrandas trabalha para um empresa americana que tem escritórios na Suíça, a Multilingual Publishing Specialist), ou então aventuraram-se como freelancers, fazendo sobretudo revisão textual, tradução e/ou colaborando em projetos editoriais (com a Porto Editora, LIDEL, Almedina, Publindústria, Civilização, etc.). Dos quatro estudantes brasileiros que recebemos, três voltaram ao Brasil, onde iniciaram ou prosseguiram carreiras no setor editorial. Alguns antigos alunos aceitaram lugares que nada têm que ver com a sua área de especialização, e, infelizmente, há quem não tenha ainda conseguido emprego. De qualquer forma, face à crise laboral que atravessamos, a taxa de empregabilidade é animadora.

 

Quais as maiores dificuldades que os alunos dos cursos de Edição da Universidade de Aveiro sentem quando enfrentam o mercado de trabalho?

A maior dificuldade é, sem dúvida, a ausência de postos de trabalho nas editoras. Há, como sabemos, uma grande contenção de despesas em todas as áreas, e mesmo grandes grupos editoriais, que tiveram os nossos estudantes como estagiários durante vários meses (e que ficaram muito agradados com o seu trabalho), acabaram por não os contratar. Em alguns casos, os nossos diplomados trabalham como colaboradores dessas editoras. Um outro obstáculo são os baixos salários que, na maior parte dos casos, lhes são propostos. Temos alguns casos de mestres que foram escolhidos para ocupar lugares muito bons em editoras de Lisboa, mas que não puderam aceitar, pois não conseguem suportar as despesas de renda, água, luz e alimentação.

 

Quais as grandes diferenças entre os cursos de edição da Universidade de Aveiro e os da concorrência?

A Licenciatura em Línguas e Estudos Editoriais é única nas universidades portuguesas. Oferece uma boa preparação em línguas, literaturas, culturas e integra um núcleo de disciplinas introdutórias na área da edição, que garante uma formação de base, embora não especializada, claro. Caso os alunos queiram aprofundá-la, poderão depois ingressar em mestrados de edição, mas se preferirem enveredar por outras especializações são muitas as portas que se lhes abrem, tendo em conta o leque de competências adquiridas. O Mestrado em Estudos Editoriais, no qual podem ingressar alunos licenciados em qualquer área científica, tem uma conceção diferente da dos mestrados ou pós-graduações em Edição oferecidos pelas Universidades de Lisboa. É, por assim dizer, um mestrado «de banda larga», que foi delineado em consonância com masters de grande reputação em diversas universidades europeias.

 

A formação é, como disse antes, abrangente, isto é, as disciplinas lecionadas pretendem abordar um variado leque de conteúdos relacionados com o mundo editorial. Assim, temos cadeiras como História e Cultura do Livro, Tipologias da Edição, Edição na Atualidade, Revisão de Texto, Crítica Textual, Propriedade Intelectual e Direitos de Autor, Gestão Editorial, Marketing Editorial, Multimédia Editorial e Design Editorial, isto além de outras opcionais. É um conjunto muito rico e multidisciplinar, que conta com a colaboração dos quatro departamentos que já referi, com a colaboração de profissionais do setor editorial e que pretende dar uma visão o mais completa possível da evolução e da realidade atual da edição em Portugal e no resto do mundo.

 

A concorrência de outras universidades é, neste caso, muito saudável, tanto mais que os candidatos podem escolher entre cursos que dão formações diferentes no domínio da edição.

 

Porque é que um estudante interessado em ingressar no mercado editorial português deve fazer os seus estudos na Universidade de Aveiro?

Além de tudo o que acabei de referir, e que diz respeito à formação académica dos estudantes, sublinharia a importante rede de contactos que temos com editoras e que temos vindo a alargar, a colaboração de profissionais e de outros especialistas na lecionação de disciplinas, o programa de conferências sobre temáticas relacionadas com a edição e a possibilidade de finalizar o Mestrado com um estágio (curricular) de 4 ou 6 meses numa editora. O contacto com o mundo editorial in loco, a perceção das dificuldades, dos contratempos, mas também dos sucessos e das alegrias que se experienciam no processo de publicação de um livro fazem com que os nossos estudantes tenham verdadeira consciência das tarefas e procedimentos a desenvolver no seu futuro profissional. Por outro lado, quem gostar de investigação e quiser desenvolver um projeto editorial ou optar por uma dissertação poderá aproveitar as sinergias interdisciplinares que o Mestrado propicia e explorá-las em trabalhos que, de outro modo, dificilmente seriam exequíveis. Muitos dos projetos e dissertações em Estudos Editoriais já defendidos — por exemplo, projetos de livros ou estudos sobre a edição em Portugal — foram orientados conjuntamente por docentes de diferentes Departamentos da Universidade de Aveiro. E, contrariamente ao que se possa pensar, a taxa de empregabilidade dos alunos que optaram por dissertação ou projeto é muito semelhante à daqueles que preferiram fazer um estágio.

 

Se pudesse fazer uma pergunta ao atual ministro da Educação, qual seria?

Ao atual Ministro da Educação, não faria uma pergunta, mas aproveitaria para me associar às suas preocupações com a «valorização do conhecimento social e humano» dos nossos jovens em idade escolar, como vem escrito na nova proposta-base da Revisão da Estrutura Curricular, agora em consulta pública. Nesse sentido, sublinharia a necessidade de um maior investimento no ensino de várias línguas estrangeiras, não apenas de inglês, «língua franca», certamente, mas não a única adequada a um mundo cada vez mais intercultural e multilingue.

 

Dê-nos uma boa ideia para o setor editorial português.

A pergunta não é fácil… O meu contacto com a edição é muito recente, sou germanista de formação e comecei a interessar-me e a dedicar-me ao mundo da edição poucos anos antes do início do mestrado, em 2007. No entanto, julgo que a preocupação que sempre tivemos de estar em permanente contacto com editores, livreiros e com a APEL (e também com a UEP, antes da junção), de forma a trazermos até aos nossos estudantes a realidade editorial portuguesa (através de aulas abertas e seminários temáticos, módulos específicos, a cargo de diferentes coordenadores editoriais ou de consultores editoriais, como vocês), tem sido uma excelente forma de, também nós, recebermos ensinamentos e percebermos melhor como vive/sobrevive o mercado do livro nacional (e também o mercado internacional, claro).

 

Mas, voltando à sua pergunta, vem-me à ideia um artigo publicado no vosso blog no início do mês de dezembro, em que se refletia sobre as idiossincrasias da língua espanhola na indústria editorial em Espanha e nos países Latino-Americanos.

 

Uma das questões que se colocavam era exatamente a das diferenças realmente existentes entre o castelhano e as «várias línguas» espanholas faladas na América Latina, chamando a atenção para o facto de que cada uma dessas línguas traz consigo um contexto histórico-cultural e social e uma identidade nacional que é necessário ter em conta quando se pensa na publicação ou «simples» exportação de um livro. Algo de semelhante se passa connosco, e com os países de língua oficial portuguesa, o Brasil e os países africanos. Sabemos bem que muito do nosso mercado futuro estará aí, e por isso mesmo não podemos ignorar que, apesar da proximidade linguística, há dissemelhanças sintáticas, especificidades vocabulares, e há ainda a individualidade própria desses futuros leitores, que temos de ter em consideração. Daí que para que a edição portuguesa possa entrar «em força» nos países lusófonos me pareça importante uma atenção e um cuidado particular àquilo a que eu chamaria «acerto» na forma, na linguagem, sem, obviamente, prejuízo do original — e não estou a referir-me ao Acordo Ortográfico…

 

Uma outra proposta, e que vem afinal ao encontro do que lhe disse antes sobre a importância da aprendizagem de várias línguas, tem que ver com a existência de excelente literatura publicada nas muitas línguas do mundo, e que não chega cá. O mercado do livro está cada vez mais «anglo-americanizado», mas todos sabemos que existem, por exemplo, livros fantásticos para crianças de autores/ilustradores de diferentes países europeus que ficam por editar em português. Parece-me que seria muito proveitoso investir na exploração do muito que há de bom que não vem do mundo anglófono, contrariando assim esta «globalização», que julgo estar a afetar negativamente a edição europeia.

 

Como reage às críticas de que os cursos universitários portugueses estão muito desligados das necessidades do mercado de trabalho?

That’s a long story! Não sei os números, não tenho dados concretos, mas posso dizer-lhe que, por exemplo, na Universidade de Aveiro, já anos antes da entrada em vigor no Processo de Bolonha, tínhamos numerus clausus zero para Cursos de Ensino (quer em Humanidades, quer nas áreas das Ciências como Biologia, Física ou Matemática), pois considerou-se que não seria sério formar professores numa altura em que não existia mais essa necessidade nas escolas. Ao mesmo tempo, e exatamente com a preocupação de uma melhor adaptação às necessidades do mercado de trabalho, criaram-se cursos com ligações à realidade laboral, como os de Línguas e Relações Empresariais, Tradução Especializada e Línguas e Administração Editorial.

 

Com o Processo de Bolonha pretendeu-se formar licenciados que estariam aptos a entrar no mundo do trabalho, e que seriam capazes de desenvolver e aplicar o que tinham aprendido e adquirido nas universidades. Se me pergunta se a maioria dos licenciados sai da universidade com conhecimentos alargados e sólidos, dir-lhe-ei que não. São apenas três anos e com uma carga horária que pressupõe um trabalho autónomo, individual, de estudo em casa, que muitos não cumprem — estou a falar daquilo que sinto nas minhas aulas. São esses licenciados que vão depois tentar o mercado de trabalho, que exige, além de conhecimentos, cada vez maior flexibilidade, disponibilidade e capacidade de trabalho. Alguns estão preparados, outros não, mas o mundo laboral é, como sabe, também, muito, um mundo de oportunidades, e nos nossos dias há menos… O ónus não tem de cair (só) nas universidades.

 

 


Doutora em Literatura Alemã pela Universidade de Aveiro, é professora na mesma instituição desde o ano letivo de 1979-1980. Foi vice-coordenadora do mestrado em Estudos Editoriais de setembro de 2007 a março de 2011. Nos últimos anos tem tido a seu cargo a lecionação de disciplinas dos cursos de licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas; Tradução; Línguas e Estudos Editoriais; Línguas e Relações Empresariais; assim como dos mestrados em Estudos Alemães e em Estudos Editoriais. Tem como áreas de estudo e de investigação: Relações Literárias e Culturais Luso-Alemãs; Mitos e Figuras Femininas da História e da Bíblia na Literatura de Expressão Alemã Contemporânea; A Edição em Portugal na Atualidade.

-

Campanha «Formai-vos!»: desconto de 50% para desempregados e recém-licenciados. Novidades 2012: [Lisboa] Gestão de Projectos Editoriais, Oficina sobre o novo Acordo Ortográfico, Oficina de Preparação de Original em Ambiente Digital, Revisão de Texto - nível inicial; [Porto] Gestão de Projectos Editoriais, Revisão de Texto - nível intermédio.

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.