Reportagem Blogtailors: O que vamos transportar para o futuro da edição?
Pertencentes a várias gerações de editores, os presentes representam o espectro do negócio, não só em Portugal mas também em Itália e Espanha. Alguns, que contam à volta de três décadas no setor — Carlos da Veiga Ferreira (Teodolito), João Rodrigues (Sextante), Manuel Alberto Valente (Porto Editora) e Zeferino Coelho (Caminho) —, não conseguem deixar de lembrar o modelo familiar que vigorou até aos anos 80, que permitia um contacto bastante mais estreito com o público. Era também o tempo em que os catálogos eram reflexo das escolhas do seu editor. «Todo o tempo passado era mais interessante, porque a profissão também o era», lembra Carlos da Veiga Ferreira.
No entanto, naquele «tempo passado» publicavam-se 3 mil livros por ano; nos nossos dias, 20 mil. A realidade da indústria do livro mudou: tem hoje uma faturação mais elevada do que a indústria automóvel e representa a maior fatia das indústrias culturais (350 milhões de euros por ano). Fatura mesmo mais do que a rádio e a televisão portuguesas em conjunto, como lembrou um membro do público.
Os livros são hoje um «produto» cultural inserido na indústria do entretenimento, à semelhança de outros, como o CD. Manuel Alberto Valente trabalhava nas Edições Asa, que, nos anos 90, era ainda independente, quando «a preocupação com o tipo de livro que vende» surge: «Para-se com a [edição de] literatura e começa a aparecer um tipo de “livros-produto”.»
Zeferino Coelho é editor da Caminho, que já faz parte do grande grupo LeYa. O antigo editor de José Saramago justifica as aquisições deste grupo com a expansão do capital financeiro a esta área da atividade económica, e a concentração do negócio da edição como um dos seus resultados. Zeferino Coelho assegura até que este processo se iniciou «tarde» no mercado português «porque é um mercado pequeno».
Apesar de não ser «nenhum mal que um livro seja um negócio», como afirma João Rodrigues, fundador da Sextante (adquirida pela Porto Editora), a batalha a travar agora, no mundo do livro, é «pela diversidade». Citando André Schiffrin, João Rodrigues lembra que o editor tem «uma função predominantemente artesanal e que durará sempre». Para o editor, «é muito perigoso que os leitores só possam ler certo tipo de coisas: [certos livros] impingem certo tipo de ambições, impingem respeito por coisas que não devem ser respeitadas», sendo que serão os editores a trabalhar no futuro que vão decidir o que dar a ler ao público.
«O que vamos transportar connosco para o outro lado desta fratura?» é a pergunta feita pelo editor da Sextante, que, por acreditar na existência de «bons editores», prevê um pós-crise feliz. Gianluca Foglia, editor da italiana Feltrinelli, concorda e sentencia que «nada voltará ao que era antes na edição. A crise separa um momento histórico de outro». Foglia explica que esta quebra «não é necessariamente má», dependendo do que se faça no setor da edição no presente e no futuro. Para o italiano, o desafio mais profundo é a alteração de todo o paradigma comunicacional, que traz um problema de «reconhecimento e continuidade» para a relação entre o leitor e o autor.
Outros mercados
Pilar Reyes, editora da Alfaguara em Espanha, fala de grandes escalas: das 400 milhões de pessoas do mercado de língua espanhola — estando apenas 10 por cento em Espanha. Fala também dos grandes fenómenos de vendas e de como as editoras tentam multiplicá-los, na esperança de conseguir criar uma máquina de grandes lucros. «Reproduzir grandes êxitos de vendas é uma mentira», afirma, pois é apenas «uma procura constante de repetição», porque «é mentira que alguém possa dizer o que quer ler».
«O que é que o leitor quer ler?» é a pergunta a que os editores tentam responder — sendo o «leitor» a grande massa —, mas sem êxito, pois a questão parece estar noutro ponto. Êxitos como As Cinquenta Sombras de Grey ou Harry Potter são, para Pilar Reyes, fenómenos que não podem ser repetidos. O revés dá-se neste ponto, para Carlos da Veiga Ferreira: «os grupos começam a perceber que é melhor ter uma zona de qualidade e outra de grandes públicos, que pode embater com a realidade e é incerta».
Pilar Reyes é editora da Alfaguara, em Espanha, país que tem domínios muito maiores do que Portugal no mercado da edição. A história do setor é também peculiar em Espanha. Nos anos 70, ainda no franquismo, o centro da edição em castelhano esteve no México e na Argentina. Com o fim do regime, na década seguinte, Espanha cresceu. A indústria editorial também, iniciando um processo de compra das editoras latino-americanas. Durante muito tempo, leram-se, em Espanha, as traduções argentinas — cenário invertido entretanto com a soberania que Espanha conseguiu neste mercado.
«Nos últimos 8 anos, apareceram editoras [independentes] que estão a mover outro circuito da indústria», diz Pilar Reyes. O cenário é semelhante em Portugal, onde as pequenas editoras começam a lançar os livros para os quais parece não haver espaço nas grandes editoras. Carla Oliveira, criadora da Orfeu Negro (que aposta no ensaio de arte e estética de arte), afirma que a sua editora «tem tido uma boa receção», sendo necessário por vezes «formar públicos». «Há livros em que arrisquei e não fiz um cêntimo. Uns livros sustentam outros», admite Carla Oliveira, para quem o requisito é «não sair da qualidade». A mesma editora afirma que o mercado de livro ilustrado cresceu muito, e é neste meio que se move também Adélia Carvalho, criadora da Tcharan. «Não somos levados pela pressão de mercado. Se calhar, os textos para adultos são», admite.