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Opinião: Uma profissão de risco no século XXI (parte V), por Francisco Vale

02.07.10
UMA PROFISSÃO DE RISCO NO SÉCULO XXI (parte V),
por Francisco Vale (*)

 

N. E.: Publicado originalmente no livro Autores, Editores e Leitores (Relógio D’Água), editado em Novembro de 2009.


[Parte I]
[Parte II]
[Parte III]
[Parte IV]


Riscos para os autores

 

Num certo sentido, pode dizer-se que agora os riscos vão ser corridos tanto pelos editores como pelos autores, cuja relação com os leitores atravessa um processo de mudança num ciberespaço onde é difícil acautelar os direitos, o estatuto criativo e mesmo a integridade das obras.

 

Ao longo de décadas, os autores foram postos em causa a nível teórico pelo desconstrucionismo. O digital tende agora a esbater a barreira selectiva do custo da impressão em papel, daí resultando uma avalanche de livros que ameaça submergir os autores realmente criativos. Além disso, estes podem ver as suas obras reelaboradas num processo em que o leitor deixa de ser alguém que responde à actividade singular do escritor para se assumir como participante num agregado em que todos são, mais ou menos, colaboradores em regime de hipertexto.

 

O «borgiano» projecto inicial do Google, destinado a resolver o seu problema de conteúdos digitalizando todas as bibliotecas, alarga este risco à escala do planeta, por maior que seja a vantagem de colocar qualquer livro a disposição do mais remoto dos leitores.

 

Os editores e escritores têm, em certos aspectos, interesses diferentes. Mas da sua colaboração depende, em boa parte, que tais riscos sejam evitados e que as novas possibilidades de contacto com os leitores se desenvolvam de um modo que impeça a diluição do papel criativo do autor.

 

A Relógio D’Água e os novos tempos

 

Editar surge como uma profissão de risco neste início de século, quando se ignora ainda onde vão ficar as fronteiras do livro tipográfico passada esta segunda vaga do digital.

 

Cada vez mais a razão de ser de um editor está na sua capacidade de escolha, de ir construindo um catálogo de referência que atraia os autores e inspire confiança aos leitores. O resto é a agilidade de uma estrutura, o financiamento, a qualidade das traduções e revisões, o grafismo, a paginação e a promoção.

 

Por isso considero actual a afirmação de Jason Epstein (co-fundador da The New York Review of Books, criador da Library of America, director da Random House e precursor da venda de livros on-line), que já fizera minha mesmo antes de a ler pela primeira vez:

 

«A edição de livros é por natureza uma indústria artesanal, descentralizada, improvisada e pessoal; realizam-na melhor pequenos grupos de pessoas com ideias afins, consagradas à sua arte, ciosas da sua autonomia, sensíveis às necessidades dos escritores e aos diversos interesses dos leitores» (A Indústria do Livro: Passado, Presente e Futuro da Edição).

 

Creio que esta concepção se mantém válida, embora a paisagem editorial se possa tomar irreconhecível em poucas décadas.

 

A Relógio D’Água continuará tranquilamente a publicar livros em papel, um suporte que continua a ter vantagens e não está sujeito a obsolescência tecnológica. Mas prepara-se para os novos tempos, prevendo a edição digital nos contratos e os respectivos direitos, adquirindo conhecimento das linguagens informáticas adequadas e refazendo o seu site e blogue. Analisará também as diferentes plataformas para divulgação do livro digital que vão instalar-se em Portugal, privilegiando as que resultarem da conjunção de editoras, à semelhança da criada em França pela Flammarion, Seuil e Gallimard.

 

Mas, amanhã como ontem, o essencial continua a ser a imaginação dos autores e a existência de leitores capazes de reconhecer um bom livro, mesmo que este passe por mais metamorfoses que os seres fantásticos de Ovídio.

 

(*) Francisco Vale foi um dos fundadores da Relógio D’Água em 1983, sendo desde então seu responsável editorial. É autor de dois romances, Cláudia Telefonou Depois e Os Amantes Prendem nos Braços Tudo o Que lhes Dói. Traduziu obras de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Djuna Barnes, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Le Clézio, Foucault, Ernesto Sabato, Javier Marías e Fernando Savater.

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Opinião: Uma profissão de risco no século XXI (parte IV), por Francisco Vale

30.06.10
UMA PROFISSÃO DE RISCO NO SÉCULO XXI (parte IV),

por Francisco Vale (*)

N. E.: Publicado originalmente no livro Autores, Editores e Leitores (Relógio D’Água), editado em Novembro de 2009.


[Parte I]
[Parte II]
[Parte III]


Futuros conjugados

Neste início de século, o destino do livro impresso depende da configuração psíquica das novas gerações, da sua habituação a leitura em ecrãs, um processo em que a plasticidade neurológica surge configurada pelas novas tecnologias de informação, os jogos de computador e consola e as artes de vanguarda ligadas ao vídeo.

Sobre estes aspectos é possível extrapolar observações de McLuhan sobre a influência cognitiva e social de novos media. Sabemos que saímos de uma civilização em que o livro impresso foi um meio de distanciamento e objectividade, que encorajou a iniciativa individual e finalidades pessoais, e que, em termos de alta cultura, conviveu bem com regimes ditatoriais. A sociedade em que já estamos é mais povoada de imagens, oral, sonora, interactiva e em rede, talvez com maiores potencialidades de participação política e resistência a projectos ditatoriais, pelo menos em formas declaradas.

Neste contexto, o livro impresso e a literatura parecem mais do que nunca reunidos num futuro incerto.

É a primeira vez que isso sucede desde o tempo em que a literatura era feita de narrativas sem suporte algum fora do corpo humano, como nos mitos, lendas e alegorias que seriam reunidas no Antigo Testamento e na poesia épica oral, do Gilgamesh à Odisseia.

Depois, e por muitos séculos, a literatura esteve associada ao papiro e ao pergaminho. Desde 1439, com a invenção dos caracteres móveis, a literatura e o livro impresso passaram a estar ligados na forma que hoje conhecemos. Mas o romance e o conto só puderam florescer, no século XVIII em Inglaterra e no século XIX na França e Rússia, com o advento da sociedade burguesa, a vida privada e os espaços de silêncio e lazer. As absortas leitoras dos quadros de Fantin-Latour são a melhor ilustração desse período.

Nas últimas décadas — com as mudanças da vida urbana e a expansão da oralidade, da música e do multimédia — o romance e mesmo o conto revelam-se géneros históricos e, portanto, perecíveis.

E se esses géneros literários vierem um dia a perder vitalidade, não parece haver razões para o livro impresso, ou mesmo electrónico, sobreviver na forma e com a influência que hoje possui.

Esse eventual definhamento não será efeito do suporte digital do livro, nem consequência directa das novas tecnologias e meios de comunicação. No passado, as mudanças na literatura não foram o resultado da passagem da narrativa oral para a escrita ou do livro em pergaminho para o tipográfico. Foi Homero que subverteu a poesia épica, não o facto de ela ter deixado de ser oral. As peças de Shakespeare, que permaneciam muito tempo manuscritas, não devem a sua ruptura com o drama isabelino à impressão em tipografia. As regras da criação literária têm uma larga autonomia das tecnologias que utilizam. Contudo, e ao contrário do que Harold Bloom sugere em O Futuro da Imaginação, são sensíveis aos contextos sociais, como se pode ver nalguns casos limite. É difícil de aceitar como coincidência individual de criadores geniais o que sucedeu com a arte e a filosofia na Grécia de Péricles, e com a literatura na Rússia que vai da libertação dos servos à revolução de 1905 e viu surgir Tolstói, Dostoievski, Tchékhov e Turguénev. O mesmo se poderia dizer do que ocorreu nos anos 30 a 50 nos EUA com Hemingway, Faulkner, Fitzgerald, Flannery O’Connor, Eudora Welty e Carson McCullers. Uma prova pela negativa é dada pela prolongada mediania da ficção francesa contemporânea em contraste com a joyciana fecundidade das letras irlandesas.

Actualmente só uma reduzida percentagem de adolescentes consegue ler sem a companhia de um som musical. A questão já não reside apenas na ausência de espaços de silêncio que permitam uma leitura atenta. Está também na recusa do próprio silêncio, em considerar a solidão da leitura inaceitável, na dificuldade de imaginar a partir da escrita fonética. É mesmo possível que se caminhe para uma certa dissociação entre a leitura e o livro, sobretudo o digital, tomando-se a leitura sequencial mais rara em benefício da fragmentária. O facto de os leitores de e-books serem conectáveis com a Internet e o inesperado êxito do Twitter confirmam esta possibilidade.

Aqueles que, como Steiner, celebram a diversidade permitida por Babel e encaram cada língua como a possibilidade de um mundo emocional diferente sentem a uniformização da literatura e a transformação do anglo-americano em novo esperanto como ameaças à criatividade.

Hoje a vulnerabilidade da literatura vem também da atracção exercida sobre muitos escritores de talento pelas possibilidades que a televisão, o cinema, a Internet e outros media oferecem em termos financeiros e de novos processos narrativos. Não é absurdo pensar que se Eça e Camilo vivessem hoje estariam a escrever argumentos televisivos ou cinematográficos e que os equivalentes de Os Maias e de Amor de Perdição teriam formas diversas.

E, no entanto, a escrita de contos e romances continua a ser a que menos meios tecnológicos exige, uma esferográfica e um papel ou um processador de texto. A escrita surge no prolongamento quase imediato da mão, está próxima da biologia humana, o que faz com que as obras surjam como resultado imediato da imaginação. É por isso que o livro é considerado um manancial de conteúdos para o multimédia e que escritores de talento vão resistindo aos apelos da televisão e da Internet.


[Parte V]

(*) Francisco Vale foi um dos fundadores da Relógio D’Água em 1983, sendo desde então seu responsável editorial. É autor de dois romances, Cláudia Telefonou Depois e Os Amantes Prendem nos Braços Tudo o Que lhes Dói. Traduziu obras de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Djuna Barnes, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Le Clézio, Foucault, Ernesto Sabato, Javier Marías e Fernando Savater.

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Opinião: Uma profissão de risco no século XXI (parte III), por Francisco Vale

28.06.10
UMA PROFISSÃO DE RISCO NO SÉCULO XXI (parte III),

por Francisco Vale (*)

N. E.: Publicado originalmente no livro Autores, Editores e Leitores (Relógio D’Água), editado em Novembro de 2009.


[Parte I]
[Parte II]


Um novo fôlego?

Na época do digital, o livro impresso tem os inconvenientes da sua natureza material. Exige o abate de certas espécies de árvores, causa poluição fabril, é difícil de transportar, requer espaço e é perecível.
A impressão em offset só consegue custos unitários razoáveis para tiragens elevadas. E como se publica para um mercado incerto, a sobras e pesados custos de armazenamento antecipados nos preços.
A distribuição, venda nas livrarias, devoluções e armazenagem são responsáveis por mais de 60 por cento do preço do livro. O papel e a impressão por cerca de 15 por cento. Por isso, à primeira vista tudo o condena no confronto com a «imaterialidade» dos bits.
Será o livro impresso capaz de uma flexibilidade que o torne mais concorrencial, ao mesmo tempo que preserva a sua particular relação com o leitor? Terá futuro, pelo menos nos géneros que requerem uma leitura sequencial e reflectida, como a literatura e parte dos ensaios?
A própria evolução tecnológica no fabrico de papéis e o digital oferecem novas possibilidades ao livro impresso.
Verifica-se um crescente recurso a papéis reciclados, agora com preços mais acessíveis e gamas variadas. Por outro lado, e tal como se verifica nos escritórios actuais, nada garante que a leitura digital diminua o consumo de papel. Constata-se, aliás, que muitos dos que lêem e-books adquirem depois versões impressas.
O digital pode também dar uma ajuda na redução da incerteza das tiragens e nos custos de transporte e armazenamento. A impressão digital com máquinas industriais permite já, para tiragens inferiores a 700 exemplares, custos por unidade bem inferiores aos de offset. Há vários anos que é usada para imprimir em papel géneros menos vendáveis como a poesia e o teatro ou nas reedições. A impressão a pedido é hoje corrente e em breve estará disponível em livrarias portuguesas. Para os editores, esta tecnologia tem vantagens, permitindo disponibilizar fundos esgotados e reduzir custos de transporte, já que estará acessível nos principais centros urbanos.
Finalmente, esses processos, conjugados com os e-books e vendas na Internet, vão diminuir a dependência em que editores e distribuidores se encontram das livrarias, cujas margens se tornaram excessivas. Estas vão ser forçadas a uma acelerada reconversão e, à imagem do que já fazem as Borders Books, a articular as experiências livreiras tradicionais com a criação de centros digitais (fornecendo materiais como entrevistas com os autores e chats nas suas páginas web, livros on-line e impressão a pedido).
Também os editores deverão atravessar um processo análogo, serem Janus capazes de olhar ao mesmo tempo para o futuro e o passado, conjugando a sua tradicional actividade no livro impresso com o recurso a linguagens para fornecimento de livros on-line, e-books e impressão a pedido. (A obra de José Afonso Furtado, Os Livros e as Leituras, adianta pistas interessantes nesta área.)
Se o livro impresso conseguir baixar em cerca de 20 por cento o seu preço, ser-lhe-á possível, mesmo permanecendo mais caro que o digital, manter as suas vantagens na leitura sequencial, cujo exemplo acabado, para Umberto Eco, é o «policial» (ao mesmo tempo que o digital será preponderante nas leituras selectivas de ensaios, dicionários, enciclopédias, revistas e diários generalistas).
As vantagens do livro impresso, reverso da sua fragilidade, remetem também para a sua natureza material. Esta passa pelo papel, grafismo, formato e marcas do tempo, por um relacionamento singular em contraste com a monótona uniformidade das obras digitais.
É mais fácil imaginar que nas páginas fechadas de um livro impresso, personagens como Antígona, Iago, Fabrício, Natacha, o capitão Flint, Orlando, Corto Maltese ou Herzog continuam a sua existência e esperam o leitor, do que nos píxeis do livro electrónico.
E mesmo a questão do preço não é linear, pois não se pode emprestar um livro digital como o fazemos com uma edição em papel que, além disso, dura mais que uma vida e não consome energia.
Como escreveu Walter Benjamin, em Desembrulhando a Minha Biblioteca, «a existência do coleccionador de livros tem uma relação muito enigmática com a posse» e com os «objectos em que não sublinha o seu valor funcional, utilidade, ou destino prático, antes os considerando e os valorizando como cenário, teatro do seu destino». Daí que, em sua opinião, o coleccionador «como deve ser» mantenha «a mais profunda relação com os objectos: a posse».
Existe uma apropriação do livro impresso que passa pelo olhar, o cheiro e o manuseamento, a possibilidade de o folhear num gesto rápido ou pausado e de compor estantes onde se estabelecem singulares relações de vizinhança.
Daí que uma biblioteca possa ser um cenário quotidiano, algo que se transmite, uma passagem de testemunho entre gerações.
Nada disso tem correspondência em textos digitais.

[Parte IV]
[Parte V]


(*) Francisco Vale foi um dos fundadores da Relógio D’Água em 1983, sendo desde então seu responsável editorial. É autor de dois romances, Cláudia Telefonou Depois e Os Amantes Prendem nos Braços Tudo o Que lhes Dói. Traduziu obras de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Djuna Barnes, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Le Clézio, Foucault, Ernesto Sabato, Javier Marías e Fernando Savater.

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Opinião: Uma profissão de risco no século XXI (parte II), por Francisco Vale

25.06.10
UMA PROFISSÃO DE RISCO NO SÉCULO XXI (parte II),

por Francisco Vale (*)

N. E.: Publicado originalmente no livro Autores, Editores e Leitores (Relógio D’Água), editado em Novembro de 2009.


[Parte I]

Séculos de livro impresso

Na sociedade actual, a cultura deixou de ser sinónimo de livro manuscrito ou impresso como o foi ao longo de 2500 anos, desde os papiros pré-socráticos até à invenção da tipografia, passando pelos pergaminhos medievais que acolheram a forma de códice. No Egipto dos faraós, a leitura e a escrita foram privilégio de escribas e sacerdotes. Na Grécia Antiga, e na sua forma utilitária, essas tarefas eram atribuições de escravos. Os volumina romanos estiveram ao serviço da expansão do latim e do Império. Mais tarde, o livro seria consagrado pelo cristianismo medieval e renascentista para fins religiosos. Porém, e de um modo geral, as três religiões do Livro tiveram problemas com os seus congéneres profanos. Basta pensar em Espinosa, Giordano Bruno ou nos antecessores de Salman Rushdie. Nalguns países protestantes, as populações eram ensinadas a ler para conhecerem a Bíblia, mas não a escrever. A Igreja Católica chegou mesmo a desaconselhar a leitura do Antigo Testamento e durante a Inquisição muitas obras só existiam nos esconsos de algumas bibliotecas e no Índex do Santo Ofício.

A democratização do livro inicia-se mais de três séculos depois de Gutenberg, sob o impulso dos ócios das famílias de comerciantes e das necessidades de literacia da revolução industrial. É nessa época que o livro chega aos domicílios burgueses, conhecendo, enquanto romance, um apogeu naquilo que os historiadores designam como o Grande Verão Europeu, e que foi da derrota de Napoleão à I Guerra Mundial. É desse período a identificação entre europeu culto e leitor.

Já em pleno século xx a importância do livro teve dois reconhecimentos indesejáveis. Sob o regime nazi as «obras degeneradas» eram purificadas à temperatura de 451 graus Fahrenheit. Estáline, por seu lado, preferia congelar em kolimás siberianos a imaginação de escritores refractários aos encantos do «realismo socialista».

A predominância das imagens

Entretanto, desde o início do século xx que uma nova mudança se fazia sentir. A fotografia generalizou-se e invadiu jornais e revistas. Nos anos 30, o cinema tornou-se popular na Europa, como arte influenciada pelos irmãos Lumière, e nos EUA, sobretudo como espectáculo inspirado nos «efeitos especiais» de Méliès. Na década de 50, surgiu a televisão que depressa se transformou no principal meio de comunicação de massas, recriando hábitos sociais e modos de fazer política e alterando as percepções do espaço público.

O livro, entretanto democratizado pela edição de bolso e pelos novos canais de distribuição, foi sendo secundarizado, e com ele a sociedade alfabética, pelas novas artes e meios de comunicação associados a imagem. A partir dos anos 80, com os computadores, a Internet, e depois os chats e as mensagens SMS, reforçou-se de novo a componente alfabética da sociedade após um longo período de afirmação da imagem. A escrita partilha mesmo hoje o fascínio dos ecrãs junto das novas gerações, embora ao preço de uma fragmentação simplificadora. É, no entanto, possível que o YouTube e a facilidade de envio de imagens em «banda larga» restabeleçam a situação anterior.

Para se entender a evolução próxima do livro impresso, é, pois, necessário considerá-lo na sua evolução específica e na relação com outros meios de comunicação. E para compreender o seu futuro é preciso relacioná-lo com os suportes digitais, os processos cognitivos e os novos hábitos de leitura, e mesmo com o destino da literatura a que tendencialmente poderá estar confinado.


[Parte III]
[Parte IV]
[Parte V]


(*) Francisco Vale foi um dos fundadores da Relógio D’Água em 1983, sendo desde então seu responsável editorial. É autor de dois romances, Cláudia Telefonou Depois e Os Amantes Prendem nos Braços Tudo o Que lhes Dói. Traduziu obras de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Djuna Barnes, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Le Clézio, Foucault, Ernesto Sabato, Javier Marías e Fernando Savater.

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Opinião: Uma profissão de risco no século XXI (parte I), por Francisco Vale

23.06.10
UMA PROFISSÃO DE RISCO NO SÉCULO XXI (parte I),

por Francisco Vale (*)

N. E.: Publicado originalmente no livro Autores, Editores e Leitores (Relógio D’Água), editado em Novembro de 2009.

 

Na década de 90, despedia-me por vezes de colegas na Feira do Livro de Lisboa com um «até para o ano, se ainda houver livros».

A frase era irónica, numa época em que os artigos sobre a crise do livro tipográfico formavam uma espécie de género ensaístico menor. Alguns anos depois tingiu-se de humor negro com o surgimento dos leitores de e-books e de uma geração habituada aos ecrãs e desabituada de livros.

Mas o livro impresso entrou no século XXI com inesperado vigor e as previsões sobre o avanço da edição electrónica revelavam-se apressadas.

Nos últimos anos acentuaram-se, contudo, as mudanças nos processos de circulação de textos e de outros materiais semânticos com a generalização dos computadores, a Internet e o ciberespaço. O surgimento de leitores de e-books com ecrãs de tecnologia e-ink, a redução dos seus preços e a disponibilização crescente de obras como resultado da corrida entre o Google e a Amazon fizeram o livro digital entrar em directa concorrência com a sua versão impressa.

Ao contrário do que ocorreu na década de 90, as previsões sobre o livro electrónico começam agora a ser antecipadas. É o que deverá suceder com o recente estudo internacional, citado por Juergen Boos, director da Feira de Frankfurt, que prevê que em 2018 as vendas de conteúdos digitais ultrapassem as do livro tradicional.

Há actualmente cerca de um milhão de leitores de e-books, sobretudo nos países anglo-saxónicos. Dentro de alguns anos serão dezenas de milhões, envolvendo uma parte considerável dos «grandes leitores» em todo o mundo.

O projecto do Google Books, de digitalizar o maior número possível de livros prossegue, apesar do desaire que conheceu nos EUA. Em breve, uma parte importante das obras no domínio público e outras negociadas com editores e autores estarão na Internet ao alcance dos dispositivos com ela conectáveis, computadores, televisores, iPhones, telemóveis e leitores de e-books.

Em vários países as bibliotecas públicas emprestam obras electrónicas aos associados. Os próprios ensaios e revistas tradicionais começam, também eles, a integrar imagens digitais móveis. E as marcas de leitores de e-books multiplicam-se, o mesmo sucedendo com as plataformas de difusão ainda em busca de uma linguagem comum.

O digital ocupa hoje uma pequena faixa costeira no continente do livro. Mas é uma maré que alastra, reflui e de novo avança removendo obstáculos e decidida a, dentro de algumas décadas, deixar apenas ilhas e arquipélagos de romances impressos ao alcance dos leitores de ficção.

Enquanto mercadoria com valor cultural, o livro tende a tornar-se um ramo da sociedade multimédia, muitas vezes remetido ao estatuto de fornecedor de conteúdos. O suporte em papel surge como uma das suas modalidades possíveis. E a mudança para o digital vai a par com a alteração das capacidades imagéticas e uma maior dispersão dos jovens leitores.


[Parte II]
[Parte III]
[Parte IV]
[Parte V]


(*) Francisco Vale foi um dos fundadores da Relógio D’Água em 1983, sendo desde então seu responsável editorial. É autor de dois romances, Cláudia Telefonou Depois e Os Amantes Prendem nos Braços Tudo o Que lhes Dói. Traduziu obras de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Djuna Barnes, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Le Clézio, Foucault, Ernesto Sabato, Javier Marías e Fernando Savater.

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Opinião: Considerações gerais sobre a BookExpo America (Parte III), por Pedro Miguel Martins

21.06.10
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A BOOKEXPO AMERICA (BEA) (parte III),

por Pedro Miguel Martins (*)

[Parte I]
[Parte II]


5. HABLA ESPAÑOL?

A BEA, em parceria com o Ministério da Cultura de Espanha, a Federação dos Editores de Espanha e a Comissão de Comércio de Espanha, promoveu a presença de representantes da indústria editorial do país vizinho, despertando o interesse por esse mercado — dos autores e editores ao público falante de castelhano.

A indústria editorial espanhola anseia seduzir os milhares de falantes do castelhano nos Estados Unidos. Além disso, a literatura espanhola tem sido traduzida com sucesso e tem vindo a ganhar, cada vez mais, o reconhecimento por parte dos leitores de língua inglesa, atingindo uma audiência cada vez mais alargada.

Assim, a oferta de seminários e conferências foi imensa — com mais de 16 temas diferentes disponíveis —, e o stand de promoção à indústria do livro espanhola era impressionante, apresentando autores novos e consagrados. Era ainda visível a promoção ao projecto America Reads Spanish, com o objecto de aumentar o número de leitores de língua castelhana com recurso a livrarias, escolas e bibliotecas americanas.

6. O LIVRO MAIS BADALADO!

Os vampiros estão na moda, e muito na moda! A confirmar isso, o livro The Passage, do escritor Justin Cronin, estava na lista de presentes de muitos dos participantes na BEA. Aliás, a presença do livro era permanente, dos enormes cartazes espalhados pelo Javits Center aos crachás que identificavam os participantes. Segundo foi possível apurar, dizem que é o livro de que todos falam. A crítica de um periódico distribuído durante os três dias do evento dizia que todos os livreiros e críticos literários que o tinham lido gostaram imenso. The Passage conta a história de vampiros que, ao contrário do que estamos acostumados, não nasceram de mordidas de morcegos, mas de experiências científicas mal-sucedidas. Sarah Palin e Tiger Woods continuam a dar que falar, a julgar pelos vários stands que promoviam livros sobre eles.

7. A NUVEM DA GOOGLE

O objectivo do Google Books é tornar mais fácil aos leitores encontrarem os livros que buscam quando e onde desejarem, seja num PC, em smartphones, em e-reader, etc.

Este programa da Google está disponível para editores, livreiros e, claro, leitores, sendo o seu objectivo concentrar o maior número de títulos disponíveis. Para os editores, permite concentrar numa única plataforma a sua oferta de livros e e-books, sendo eles a controlar a possibilidade de copiar/colar, imprimir e mesmo de visualizar o conteúdo, visualização essa que é normalmente de 20% do total da obra. Para o livreiro, o Google Books apresenta a vantagem, na janela de visualização do conteúdo, de o Google listar os locais na Internet onde o livro pode ser adquirido. Para os leitores, permite-lhes sobretudo aceder aos livros onde querem e quando necessitam a partir de telemóveis e de smartphones. Esse foi mesmo o dispositivo mais referido. Vale a pena consultar o respectivo sítio Web.

 

(*) Pedro Miguel Martins é licenciado em Design Visual pelo IADE desde 2003, exercendo a sua profissão no grupo r/com — renascença comunicação multimédia. Em 2006, concluiu o curso de especialização para Técnicos Editoriais na FLUL. É ainda fundador e editor da Letras d’Ouro.

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Opinião: Considerações gerais sobre a BookExpo America (Parte II), por Pedro Miguel Martins

18.06.10
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A BOOKEXPO AMERICA (BEA) (parte II),

por Pedro Miguel Martins (*)

3. E-BOOK: NÃO SEJA TECNOFÓBICO!

Há um sentimento generalizado de que as coisas estão a mudar no universo editorial. Numa das conferências, Nick Bilton, jornalista do The New York Times Bits Blog, defendeu a ideia de que existe hoje no mundo editorial um medo irracional das novas tecnologias, e ilustrou essa ideia, em tom jocoso, relatando a preocupação do New York Times, em 1876, de que o telefone haveria de ditar a morte da música ao vivo! Assim, a indústria do livro não deve viver de forma tecnofóbica, mas deve antes aproveitar as oportunidades.

Exemplo disso foi o fórum «DigitalBook2010, Where the digital book industry convenes», que reuniu os principais agentes ligados ao livro digital. Embora a participação nas conferências desse fórum fosse restrita, foi possível ter uma ideia sobre o tema visitando os stands expostos da quantidade de interessados na disputa deste mercado, apresentando aos editores plataformas e software para a leitura e uso dos e-books. Destaquemos dois exemplos: o BLIO, um software de leitura de e-books que, entre muitas ferramentas, permite a anotação, a partilha de notas e vídeos nos livros. O BLIO está disponível nas diversas plataformas, como iPod, iPad, Android, Windows e Mac, e é gratuito para o utilizador que o pretende descarregar. O outro exemplo interessantíssimo foi a apresentação da Live Ink, que, partindo de uma longa investigação acerca da forma como lemos e assimilamos o conteúdo da leitura, apresenta uma solução inovadora de formatação da mancha de texto em dispositivos digitais. Vale a pena ver o sítio Web.

Houve ainda espaço para a apresentação de soluções de apps para telemóveis, cujo uso está em forte crescimento. Assim, neste espaço pretendeu discutir-se as oportunidades destas soluções tecnológicas aplicadas ao universo editorial, com um foco especial na forma como os editores estão a usar as apps para promoverem os seus livros e até possibilitarem a venda e a distribuição de conteúdos.

De notar que não esteve presente na BEA a Amazon com o seu Kindle; esperava, aliás, encontrar algumas marcas a promoverem os seus e-readers, mas isso não aconteceu.

4. PODIA VIVER SEM O TWITTER OU O FACEBOOK?

Construir robustas comunidades on-line de leitores é um veículo crucial para autores, editores e livreiros terem visibilidade na Internet — mas como saber se estão no caminho certo? Estar presente no Twitter ou no Facebook implica saber como usar essas ferramentas de modo a passar a mensagem que se deseja, mantendo as pessoas despertas e interessadas. Os autores têm um papel preponderante no uso destas redes sociais para um maior contacto com os seus leitores. Porém, cuidado com o que se escreve ou se revela nesses meios! O assunto de conversa deve ser o universo à volta do livro e do autor, e não outros temas que possam desviar a atenção daquilo que se quer promover.
(*) Pedro Miguel Martins é licenciado em Design Visual pelo IADE desde 2003, exercendo a sua profissão no grupo r/com — renascença comunicação multimédia. Em 2006, concluiu o curso de especialização para Técnicos Editoriais na FLUL. É ainda fundador e editor da Letras d’Ouro.

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Opinião: Considerações gerais sobre a BookExpo America (Parte I), por Pedro Miguel Martins

16.06.10
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A BOOKEXPO AMERICA (BEA) (parte I),

por Pedro Miguel Martins (*)


1. ALERTA!

Esta foi a minha primeira experiência numa feira do livro dedicada em exclusivo ao ramo editorial. Assim, não poderei fazer qualquer comparação com outro evento do género nem tenho uma visão histórica para criticar ou projectar o futuro. O que vão ler corresponde à minha experiência pessoal, ao que escutei nas diferentes conferências a que assisti. Porque a memória é traiçoeira, alguns dos pontos que apresento têm o apoio do jornal diário Publishers Weekly, que foi sendo distribuído e que contém o resumo do muito que foi acontecendo ao longo dos três dias na BookExpo America.

2. O VALOR DO LIVRO

A abertura da BEA iniciou-se com um interessante (e disputado!) debate sobre «O Valor do Livro», com a participação dos principais dirigentes da indústria editorial americana, a saber: Oren Teicher, director-geral da American Booksellers Association; Bob Miller, editor da Workman; Scott Turow, presidente da Authors Guild; Esther Newberg, da International Creative Management; Skip Prichard, director-geral da Ingram; David Shanks, director-geral da Penguin, e Jonathan Galassi, presidente da Farrar, Straus and Giroux, que desempenhou o papel de moderador — tendo o debate sido centrado, logo de início, nas questões à volta do universo do e-book. Foi imediatamente perceptível que não há unanimidade neste tema: autores, agentes literários, editores e livreiros, todos apresentaram um tom crítico à forma como o e-book está a ser oferecido e comercializado.

Desde logo, foram expostas três grandes preocupações: pirataria, royalties, distribuição. Todos percebem que a pirataria já é uma realidade, tendo o director-geral da Penguin dado o exemplo, por muitos conhecido, de livros que são editados em papel e depois digitalizados e distribuídos pela Internet, advertindo, por isso, que não é o e-book como formato o culpado da pirataria, mas antes a ausência de uma oferta organizada. Aludiu-se ainda ao exemplo do que se passou com a indústria discográfica quando do aparecimento do MP3. As consequências da pirataria variam de acordo com o tipo de livro: quanto mais caro, mais pirateado. Enciclopédias, livros ilustrados e académicos em geral tendem a sofrer mais. A discussão centrou-se ainda no modelo de remuneração dos autores relativamente ao seus «direitos de autor», tendo o grupo sido dividido em dois: por um lado, Scott Turow e Esther Newberg defendiam que a edição do livro em e-book deveria ter uma remuneração maior em direitos de autor, considerando o preço final da venda desse formato; por outro lado, os editores defendiam-se indicando que ainda era cedo para se chegar a uma conclusão sobre esse assunto. Porém, referiu-se a política de preços da Amazon, de 9,99 dólares, como uma estratégia perigosa de dominação de mercado, pois não só cria um rombo na própria Amazon, como também deixa entrever a regra de que o electrónico tem de custar muito menos do que o impresso.

Relativamente à distribuição do e-book, notou-se uma crescente preocupação por não existir um «formato neutro», isto é, compatível com todos os modelos de leitores electrónicos, tendo sido veiculada uma crítica à Amazon por vender simultaneamente o livro em papel e o e-book. Na opinião de Jonathan Galassi, esse gesto foi um enorme erro em relação ao qual não se poderá voltar atrás; a melhor forma é pensar-se em modelos de venda que permitam tirar partido da actual situação.

[Parte III]

(*) Pedro Miguel Martins é licenciado em Design Visual pelo IADE desde 2003, exercendo a sua profissão no grupo r/com — renascença comunicação multimédia. Em 2006, concluiu o curso de especialização para Técnicos Editoriais na FLUL. É ainda fundador e editor da Letras d’Ouro.

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Opinião: O rei vai nu? Sobre a vergonha de guilhotinar livros (Parte 2), por Diogo Madre Deus

14.06.10
O REI VAI NU? SOBRE A VERGONHA DE GUILHOTINAR LIVROS (parte II),

por Diogo Madre Deus (*)

[Parte I]

O verdadeiro motivo para as enormes quantidades de stock, com tendência a aumentar e aumentar, é simples: os editores publicam demasiado. E fazem-no porque a tal são obrigados: porque editar significa facturar pouco e não paga todos os custos ou riscos que correm; porque este é um mercado pequeno (com pouco consumo), muito concorrencial, onde actualmente, como é sabido, todos os custos e riscos de edição cabem ao editor. Tendo menos custos, o editor aumentaria a sua margem e publicaria menos.

Para quando uma verdadeira resposta aos complexos problemas sectoriais da edição?

É curioso saber que, em mercados como o italiano, existe há muito uma política para o IVA editorial que funciona como medida estrutural de incentivo para o sector e não como medida correctora, para tentar resolver pontualmente um episódio da vida cultural do país. Em Itália, o IVA editorial — que é de 4% — é assumido exclusivamente pelo editor (o distribuidor e o livreiro ficam de fora). O editor deve, naturalmente, reembolsar o Estado italiano sobre as vendas que faz. As vendas são calculadas pela tiragem, às quais se subtraem as devoluções do mercado. O Estado, por defeito e como incentivo, considera que 70% da tiragem publicada pelo editor lhe será devolvida e que, portanto, fica isenta de imposto.

Entre muitas outras medidas de um pacote abrangente, os editores podem ainda contar com um custo subvencionado na expedição postal de livros (0,65 €) ou com uma contabilidade específica, que expressa de forma realista o valor e as existências no balanço.

Foi também o Estado italiano que comparticipou a implementação do primeiro sistema estatístico de controlo de vendas de livros em livraria, que permite aos agentes do sector, como acontece noutras áreas de consumo, saber em tempo real quanto e onde se vendeu determinado livro. Um instrumento crucial para perceber o ritmo de vendas e controlar o desperdício das altas tiragens. A política de compras das bibliotecas é eficaz. Não me acontece em Itália receber telefonemas de bibliotecas a pedirem ofertas por falta de orçamento para compra de livros. O que deve o editor fazer? Oferecer a umas e vender a outras?

Escolhi a Itália, porque conheço bem o mercado do livro nesse país, mas sei que noutros países também é assim: países onde existe, desde há muito, um pacote eficaz de medidas de protecção aos sectores culturais. Essas medidas ganharam forma após um estudo atento e sério dos problemas e das fragilidades dos vários sectores.

Não é de estranhar que a Itália, com a mesma percentagem de leitores de Portugal, seja o quinto maior mercado mundial do livro, bem à frente de países com populações maiores. Um mercado em que a facturação de um trimestre de apenas um dos três maiores grupos é equivalente ao total do nosso mercado nacional. E nós, com um mercado de exportação infinito quando comparado com o italiano... Foi preciso a entrada de capital financeiro de outras áreas no mercado do livro para a política perceber que este até é um sector importante da economia e não apenas um objecto de conversas de salão. Mas, por enquanto, e parece-me que ainda será por muito tempo, teremos apenas a velha lei do preço fixo como único instrumento de apoio sério ao sector. Merecíamos todos melhores políticos? Sim, merecíamos.

 

(*) Diogo Madre Deus, editor da Cavalo de Ferro, fundou em 2005, com Romana Petri, a Cavallo di Ferro editore, com sede em Roma.

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Opinião: O rei vai nu? Sobre a vergonha de guilhotinar livros (Parte 1), por Diogo Madre Deus

09.06.10
O REI VAI NU? SOBRE A VERGONHA DE GUILHOTINAR LIVROS (parte I),

por Diogo Madre Deus (*)

Que a Sr.ª Ministra da Cultura e os membros do seu gabinete ministerial tenham anunciado recentemente com pompa, numa aparente ingenuidade de leigos, que a solução para a destruição dos livros tinha sido por eles finalmente encontrada foi algo que me surpreendeu — isso e o facto de trazerem para a praça pública termos demagógicos como o de «massacre de livros». Afinal de contas, incendiar plateias é fácil, e, quando a classe política anuncia uma tão grandiosa solução, esperamos nós sempre que seja o fruto maduro do estudo, da moderação e do rigor. Ao invés, e infelizmente, toda esta cruzada contra a destruição de livros não passa de mais um equívoco, decerto bem-intencionado, mas resultado de uma exaltação repentina e efémera, ar de balão que, depois de inchado, se esvazia aos poucos, como tudo no nosso país, perante a passividade geral e a anuência militante de alguns.

No entanto, julgo que todos os editores sabem que não é com doações que se resolve o problema crescente do stock invendável ou o da sua destruição. Que ajudam, sim, talvez pouco, mas resolver: não. Longe de mim fazer a apologia do «massacre de livros», pois até estou (pelo menos por enquanto) de mãos limpas nessa matéria. É claro que hoje em dia ninguém fica indiferente à destruição de um livro. De igual forma, admito que é difícil reconhecer como boa decisão destruir um fundo editorial precioso. Por outro lado, recordo que os editores fazem um contrato privado com os autores, a quem devem prestar contas e dar explicações, e não com a sociedade. Depois, podem ficar descansados os bibliófilos, que fundos raros e preciosos não são decerto o que mais abunda nos grandes armazéns das grandes editoras. Para quem gosta de livros, esse fundo podemos nós encontrar com renovado prazer de arqueólogo nos alfarrabistas e nas livrarias de fundo.

Mas o que fazer com milhares de novidades que retornam todos os meses das livrarias, algumas delas em edições descuidadas, falhadas ou pelo menos em excesso? Digo eu que, em alguns casos, são os próprios autores os primeiros a desejarem que desapareçam de vez, para darem lugar a novas edições.

Gostaria ainda que me dissessem quais são e onde estão essas instituições espalhadas por Portugal e pelo mundo lusófono, preparadas e ansiosas por receberem todos esses livros, do mais recente método para emagrecer a ser feliz, tudo multiplicado por centenas de cópias a um ritmo mensal, ritmo esse multiplicado por anos.

Começando por dizer que, num país em que metade da população não lê livros e a outra metade pouco compra, haverá sempre excesso de stocks, estes, pelo andar das coisas, serão sempre demasiado grandes e terão tendência para aumentar. É igualmente prejudicial alimentarmos a grande escala leitores subvencionados, sobretudo por parte de quem tem menos meios ou dever de o fazer: os editores.

Não se lê, porque não se compra. Não se compra, porque não se quer ler. Como se pode constatar pelo resultado pouco animador das feiras de saldos, instaladas agora de forma perene pelo país fora. É hipocrisia dizer que a questão se funda no custo dos livros.


[Continua]

(*) Diogo Madre Deus, editor da Cavalo de Ferro, fundou em 2005, com Romana Petri, a Cavallo di Ferro editore, com sede em Roma.

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